quinta-feira, 18 de junho de 2015

Como ir de Tóquio à Nagóia.

Os tufões são comuns no Japão e aquele prometia ser muito grande, alertas foram feitos em todos os meios de comunicação e sabíamos que ele viria.
Decidimos ficar mais uma noite em Tóquio antes de visitar minha irmã em Nagoia, compramos uma passagem de ônibus e no dia seguinte saímos com antecedência.
Mas não encontrávamos a rodoviária.
Era nossa primeira vez em Tóquio e quem vive em  grandes cidades sabe o quanto é fácil se perder mesmo morando no local muitos anos.
O tempo estava mudando, ficando escuro e o céu carregado, a temperatura começou a cair lentamente, sinais que o tufão estava cada vez mais perto. As pessoas que víamos não mostravam qualquer senso de urgência ou apreensão, a vida continuava como se nada houvesse.
E andávamos. Muito, ao menos na percepção de dois turistas perdidos. Paramos em um hotel e pedimos informação a um senhor que estava na porta, ele fez um gesto que esperássemos ali e saiu. O vento aumentou, começamos a ficar com fome e cansados.
O senhor do hotel em seu uniforme impecável voltou com um papel na mão. Era um mapa impresso com as direções que necessitávamos, agradecemos muito e saímos.
Minha esposa caiu. Deve ter pisado em falso ou tropeçado. Seguimos a rota determinada pelo mapa, chegamos a um prédio baixo que não parecia uma rodoviária, subimos ao segundo andar, havia um papel colado na porta escrito em jáponês, entramos.
Sentamos por um segundo, deixei as malas com ela e fui cuidar das passagens no guichê.
Não havia ônibus.
O serviço tinha sido cancelado por causa do tufão, só que não sabíamos. Era isto que estava escrito no papel colado na porta.
O senhor do guichê falava somente jáponês, escrevia as frases no computador, traduzia imediatamente e me mostrava.
Conviver com os japoneses te ensina muito, entre outras coisas se aprende a ser estoico, a não reclamar da sorte que atinge a todos, a ser pragmático e encontrar logo soluções para seu problema, reclamar não é uma delas.
Não tínhamos mais lugar para ficar em Tóquio, ficar também acrescentaria mais despesas ao nosso orçamento, não havia ninguém para nos ajudar ali, minha família muito distante e afinal a decisão de ficar tinha sido nossa, poderíamos ter ido na noite anterior com minha mãe e irmã que tinha vindo nos visitar.
Perguntei o que fazer e ele escreveu de novo nos indicando andar até a estação de Shinjiku que era perto e tentar tomar o Shinkansen, o trem bala.
Agradeci, na rua começava a chover, o vento aumentou um pouco a fome e a sede dobraram de tamanho. Compramos um obentô, uma espécie de marmita pronta muito popular e prática.
Andamos.
A estação estava cheia, só tínhamos cartão de crédito. Primeiro alívio, aceitavam cartão, segundo alívio os trens estavam funcionando e havia lugar disponível.
O trem bala saia de outra estação, tínhamos quarenta minutos para chegar lá por uma rota que não conhecíamos.
Quem já usou trens no Japão sabe que na mesma plataforma passam várias linhas que vão a lugares completamente diferentes, se você pegar o trem errado vai ter problemas e nós não podíamos pegar o trem errado.
Conseguimos chegar estação central, dez minutos antes do horário.
A estação central estava muito lotada, vimos pessoas se chocando e caindo ao chão, gente andando com pressa para todo lado, estávamos embaixo das plataformas, subimos a escada carregando as malas que nessa altura estavam muito mais pesadas do que antes.
Entramos no trem, eternamente pontual, meticulosamente limpo e seguro.
Nos sentamos ainda não acreditando que tínhamos conseguido.
Passou uma garota vendendo comida e bebida, pedimos água e um café, comemos nossos obentôs, o trem já estava a caminho e chacoalhava além do comum, trens bala japoneses são estáveis. Era o tufão.
Um aviso surgiu numa tela na frente do vagão. Havíamos pego o último trem. Dali em diante até a passagem do tufão todo o serviço de trens estava suspenso.
Há várias maneiras de ir de Tóquio à Nagoia. Poderíamos ter ido brigando um com  o outro, reclamando do nosso azar, da nossa estupidez e falta de planejamento, da nossa saudade de nossa pátria onde os pássaros que lá gorjeiam não gorjeiam como cá num ufanismo tosco e idealizado, prometendo nunca mais voltar nesse lugar com essas pessoas frias e indiferentes, reclamar da fome e da comida, do frio, do vento, de tudo.
Nada disso aconteceu.
Vai-se de um lugar a outro como se vai na vida,  pode-se reclamar de tudo e todos, lamentando nosso azar e nos pondo de vítimas, eternos sofredores desamparados e chorar pelos cantos nossa infelicidade e dor eternas, nosso desamparo e solidão, a indiferença das pessoas e da natureza nos agredindo em tudo o que fazemos ou pode-se encarar as situações com estoicismo e praticidade, buscando soluções que resolvam ou ao menos aliviem nossa sorte, sem reclamar e sem sofrer além do necessário e inevitável.
Não digo que não se pode reclamar nunca, nem de verdade nos sentirmos cansados da luta e batidos pelos azares da vida devíamos rir e cantar. Isto seria negar a realidade e é tão doentio quanto se vitimizar.
O estoicismo é parente muito próximo da dignidade pessoal que devemos ter e exercitar ao mesmo tempo usar de um otimismo saudável e realista sempre.
Atitudes assim nos ajudam a levar os fardos da vida de uma maneira mais leve, sofrer é inevitável e a maioria do que acontece em nossas vidas está fora do nosso controle, por mais mentiras que contemos a nós mesmos nos dizendo que controlamos tudo.
Chegamos a Nagoia depois de cairmos no sono no trem que chacoalhava mais que o normal. Chovia bastante.
Pegamos um outro trem menor que nos levou até onde minha irmã mora. Já era noite.
Depois que chegamos a casa dela, instalados, de olho na TV acompanhando as noticias que mostravam os trens parados, as pessoas procurando lugar para passar a noite em Tóquio e Quioto, sem pressa, sem pânico nem lamentações e o tufão que afinal passou mais longe que o previsto, já tendo jantado e confortáveis, chamei meu sobrinho, colocamos botas e capas de chuva, uma lanterna e um radio de comunicação só para garantir.


Fomos andar sob o taifú.

domingo, 28 de setembro de 2014

Somos mesmo racionais?

Uma das coisas que usamos para nos separar dos outros animais é a ideia que somos racionais. Repare que escrevo `outros e não apenas `animais``já que é uma percepção muito comum que animais são gatos, cachorros, capivaras etc, enquanto nós somos seres racionais, portanto superiores.

Quem disse isto? Nós mesmos. Ninguém de outra espécie veio até nós para dizer que somos superiores, que ``conquistamos o mundo``e olhamos com desdém nossos parentes mais próximos, chimpanzés e bonobos ao ponto de acharmos que o objetivo da evolução (quando a aceitamos) é que as outras espécies deveriam evoluir`e chegar ao nosso ponto de superioridade e conhecimento. Tanto achamos que somos superiores e racionais que pensamos que o mundo está ao nosso dispor, podendo usar todos os recursos naturais e as outras espécies sem preocupação alguma quanto as consequências, raramente pensamos e mais raramente ainda agimos para o bem do planeta como um todo, agindo como se não houvesse amanhã. Se continuarmos assim não haverá mesmo.

Não nego que temos capacidades de aprendizado e manipulação de ferramentas muito mais elevadas que os outros animais, assim como podemos pensar de forma que outros animais não conseguem, mas será que somos mesmo superiores?

Será que não possuímos muitas características absolutamente iguais aos outros animais e em muitos casos inferiores a eles?

Quando Darwin (e Wallace, em trabalho independente) publicaram suas teorias sobre a evolução das espécies começamos a ter uma ideia um pouco mais realista sobre nossa situação neste planeta. Antes dele Copérnico tirou do homem ocidental a ideia de que a Terra era o centro do universo e ai...apareceu Freud.

Sigmund Freud nasceu na Áustria em 1856 e seu trabalho é fundamental para entender que de racionais, temos pouco, entre muitas das suas contribuições está a descoberta de que há uma parte da nossa mente que é inconsciente, ou seja, não temos acesso direto a ela e há partes que não temos acesso nenhum.

este inconsciente é onde ficam armazenados nossos processos de pensamento, memória, afeto e motivação, além de aprendizado automático, por exemplo andar de bicicleta ou nadar, sentimentos reprimidos, fobias e desejos entre outros. Segundo Freud esta parte é a maior que temos em nossa mente. Percebemos o inconsciente em ação quando queríamos dizer uma coisa e falamos outra (chamado "ato falho") e suas variações são os esquecimentos de algo que não queremos enfrentar, perder coisas, etc. Os sonhos tem origem inconsciente e são cheios de significados emocionais, são bastante complexos e foram uma porta para Freud entender o funcionamento de nossa mente.

Na prática significa que a maior parte do que pensamos, sentimos e fazemos está fora do nosso controle. Isso mesmo. Fora do controle da nossa vontade consciente.

O inconsciente se manifesta também em nossos menores atos, não é possível dividir as partes de nossa mente, ela é uma coisa única.

Freud deu o nome Pulsão de Morte a um tipo de comportamento ruim que temos e o esse nome não é a toa, há situações em que verdadeiramente nos boicotamos, somos levados por nosso lado emocional sem muito uso da razão e isto pode não acabar bem.

Todos conhecemos alguém que bebe além da conta, médicos que fumam, pessoas que correm demais com automóveis ou motos, comem demais e mal, fazem sexo sem camisinha, são sedentários. São alguns exemplos comuns de comportamentos de risco que podem ser evitados, mas não são.

O grande problema de agirmos assim é o sofrimento que isto causa, para nós e para os outros. Ficamos em empregos ruins, relacionamentos ruins, repetimos erros e principalmente, não conseguimos enxergar que temos escolhas em quase tudo o que fazemos. Em certa medida sofremos por que queremos sofrer, muitas vezes nos negando a mudar as coisas embora saibamos que podemos faze-lo.

O que fazer então? Admitir que temos um lado que pode nos causar problemas é o primeiro passo, procurar ajuda pode ser fundamental para nos facilitar e ajudar na mudança de rumos para vivermos bem melhor do que vivemos agora. Parece impossível mas não é, concordo que não é fácil mas também não é fácil ser infeliz.

As vezes falta coragem, ou encontramos todas as desculpas possíveis para ficarmos do jeito que estamos, lamentando por nossa sorte ruim e o quanto somos pobres coitados.

Muitas vezes a culpa é nossa. Mudar, muitas vezes, só depende de nós mesmos.


























quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Caboclos ou estóicos?

Recentemente li um artigo numa revista semanal que falava da Bienal de Arte em São Paulo e o título era "Pobrismo de butique" e num determinado ponto a reportagem mostrava painéis com fotos grandes de criminosos que o autor, criticando a imprensa, dizia não serem bandidos, mas sim "caboclos". Ri muito com a ideia, sem pé nem cabeça, de que ser caboclo ou neozelandês  faz alguma diferença quando se trata de criminosos.

O artigo chamou muito a atenção pela postura crítica dos autores, Marcelo Marte e Mario Mendes que não caíram na fácil tentação, muito comum em nossa sociedade, de dividir o mundo entre opressores e vítimas. É desta que quero falar.

Culturalmente amamos as vítimas. Adoramos os coitadinhos, os que fazem cara de gato carente, os que sofrem e deixam bem explícito que sofrem, jogadores de futebol que choram na TV são sucesso imediato, tidos como "sensíveis", mães que ficam doentes se o filho sai de casa para cuidar da própria vida, a lista é quase infinita. Tente conversar com uma pessoa qualquer, nas ruas, na sua família, no trabalho, em qualquer lugar e veja quanto tempo ela fala com você sem reclamar de nada, do tempo, do transporte, do congestionamento, de uma dorzinha aqui ou ali, da cirurgia de hérnia que alguém fez, do governo e assim por diante.

O que há de errado nisto?

A "vítima", aqui entre aspas para marcar que na maioria das vezes são elas próprias que se puseram ali, é um grande manipulador, jogando com a culpa do outro, usando-o para seu benefício enquanto se faz de sofredor sem recursos nem condições para nada, joga com o medo de sermos responsáveis se algo de ruim lhe acontecer.

A vítima é um tirano que joga com nosso medo, com o nosso sentido de querer ajudar, explora nossas fragilidades e acima de tudo, nos causa sofrimento verdadeiro pois mexe com emoções muito profundas.

Esta característica está enraizada em nossa cultura, das religiões à política, na forma como nos comunicamos, nas relações que temos com as pessoas e com o mundo, é grande parte do nosso modo de ser.

Tudo perdido? Não. Na verdade nem sempre foi assim.

Trezentos anos antes do aparecimento do cristianismo foi fundada uma escola de filosofia chamada de Estoica, por Zenão de Cítio e o termo estoico tinha um sentido diferente do que tem hoje, de pessoa que reprime seus sentimentos.

Os antigos estoicos enfatizavam a ética e o uso da razão para evitar emoções destrutivas e melhorar a si mesmo, a virtude para "ficar livre da raiva, inveja e ciúmes".(*)

Os estoicos também tinham uma visão determinística do universo, o que significa entre outras coisas que o que acontece no mundo não está sujeito à nossa vontade, não podemos mudar o destino das coisas como bem entendermos. Por mais que você deseje, não pode fazer chover não importa o quanto você faça a dança da chuva, alongar o dia ou a noite, viver além de um certo limite, fazer subir ou descer o mar, por exemplo.

A natureza não está nem ai para nossos desejos.

Como lidar com isto então?

É aqui que o estoico difere completamente da vítima citada acima: no lugar da manipulação da culpa alheia, do jogo com os sentimentos dos outros, do papel de coitado sem recursos,  "Um estoico da virtude, pelo contrário, iria alterar a sua vontade para se adequar ao mundo e permanecer, nas palavras de Epicteto, "doente e ainda feliz, em perigo e ainda feliz, morrendo e ainda feliz, no exílio e feliz, em desgraça e feliz ". (*)

Não é conformismo, não é desconexão da realidade, não é gostar de sofrer. É aceitar o que está além do nosso controle, usando a razão.

Quanta diferença das mães aos gritos na frente das instituições que cuidam de menores infratores, do intelectual de esquerda que quer dar renda cidadã aos pobres por que não confia na capacidade deles, enquanto está sentado numa fortuna, dos pais que vão à escola reclamar do professor que deu bronca no seu filhinho querido e inocente enquanto não reconhecem sua falta de autoridade, quanta diferença das pessoas que choramingam por qualquer coisa, reclamando sempre da vida enquanto não fazem absolutamente nada para mudar, reconhecer suas falhas e limitações e assim poder sair da situação na qual se encontram. É muito mais fácil culpar a tudo e a todos.

Quem não pensa como eles e consegue evitar ser arrastado para esse pântano emocional é tido como "frio", "não tem sentimentos", "não me ama" e todos os tipos de chantagem que você puder pensar.

Repare que os estoicos não falam na eliminação ou ausência de emoções, ao contrário, as reconhecem, mas buscam não se deixar levar por elas, adequam-se ao mundo para poder alcançar a felicidade como for possível, não se deixam abater pelo que está fora do limite das suas capacidades de intervir, o que nos leva a pensar aqui na grande dose de elegância pessoal e dignidade que devemos ter diante dos infortúnios da vida que não controlamos. Falaremos mais nisto quanto abordarmos a Incerteza.

Ser estoico, ao contrário de ser vítima, é seguir o caminho da dignidade, não reclamar por pouca coisa, não ter auto piedade, não culpar os outros pelo seu destino.

Isto está muito bem expresso num poema de Constantine Cavafy



...com emoção, mas não 
com as súplicas e as queixas dos covardes, (**)


E você, qual caminho quer escolher?







(*)Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Estoicismo

(**) Constantine Cavafy/ Konstantinus Kavafis. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis


domingo, 31 de agosto de 2014

Mesmo planeta, mundos diferentes.

Denise é uma mulher que está sempre alegre. Conversadeira, divertida, inteligente.

Ela só fecha o semblante quando lembra do ex marido, prematuramente falecido após uma cirurgia no ano passado, e fala dele com muito respeito e saudade, sempre realçando o cavalheirismo, a sensatez, o companheirismo e outras boas qualidades que tinha e que ela pensa que todo homem deveria ter e demonstrar com frequência nos menores gestos diários.

Ela gosta de falar no assunto pois parece entender que todo homem deveria ser assim, não fala em carros reluzentes ou joias enormes, embora saibamos que a maioria das mulheres não ficaria indiferente ao brilho destes objetos.

Quando perguntei a ela o que deveria ou não uma mulher fazer dentro de um relacionamento as idéias se tornam um pouco vagas, pois é sempre mais difícil falar de nós mesmos, mas ela enumera algumas coisas: fidelidade, inteligência, delicadeza, não se prender em coisas supérfluas no comportamento do outro dentro  da relação e assim por diante.

Ter uma mulher que prefira ser tratada primeiramente com respeito e carinho a uma que prefira um carro vermelho brilhante deveria chamar a atenção de todo homem sensato, assim como conhecer um homem que valorize o comportamento, a inteligência e o comprometimento de uma mulher numa relação deveria ser o que toda mulher sonha encontrar em um homem, pois indica, no mínimo, um grau de maturidade que pode ajudar muito o casal a relacionar-se bem.

Mas não é tão simples, pois seres humanos são muito variáveis em seu modo de interpretar o mundo, cada um sente, pensa e deseja a seu próprio modo e as causas e consequências de ser assim parecem ser infinitas em sua variação.

Para cada Denise que observa valores antes de posses em um homem e para cada homem que busca usar mais a razão que seus instintos na hora de escolher uma mulher, há pessoas que enxergam o contrário e querem a riqueza material ou apenas a beleza física antes - não que riqueza material ou aparência sejam ruins, depende de como se usa.

O problema está em escolher parceiros ou qualquer coisa usando apenas um critério. Pensando com cautela já podemos cometer enganos, imagine se nos deixarmos levar apenas pelos nossos desejos?

Não existe fórmula mágica para sermos felizes num relacionamento, mas há algumas coisas que podem ajudar.

A principal delas é conhecer a nós mesmos, só assim podemos refletir sobre nossos sentimentos, posturas, inseguranças e principalmente nosso papel nos relacionamentos nos quais entramos.

Devemos lembrar sempre que nada nem ninguém nos obriga a entrar ou não numa relação.

Não se iluda, pessoas ficam juntas também pela neurose, não apenas pelo romantismo, que embora cantado em verso, prosa e novelas é apenas uma idealização, ou seja, enxergamos no parceiro nossos desejos e necessidades, sem ver o outro como ele realmente é.

Antes de culpar pessoas ou circunstâncias pelo fracasso em nossos relacionamentos, lembre-se:

Felicidade é uma questão de escolhas.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Evitando problemas

Por trás de alguns ditados populares há algumas verdades mais profundas do que parece a primeira vista.

Não há quem não conheça o ditado "o inferno está cheio de boas intenções". A idéia não é nova, aparece no poema Eneida, de Virgílio, mas ganhou uma conotação moderna e diferente com Adam Smith e foi popularizada sob uma nova forma no século XX com Robert Merton e sua Lei das Consequências Imprevistas.

Esta lei é a maneira científica que Merton usou para fazer uma análise sistemática do problema das consequências indesejadas ou imprevistas, e o que tem em comum com o ditado acima é que, embora muitas ações sejam feitas para melhorar ou prevenir algo que se entende como ruim  acabam provocando efeitos piores do que o que se queria evitar. Há exemplos que vão do cômico ao trágico, como introduzir animais ou plantas estranhas a determinado meio ambiente que se tornam pragas,  passando pelos resultados contrários ao pretendido, como quando no Japão baixaram o preço de uma determinada marca de uísque para vender mais, o aconteceu foi que as vendas despencaram ao invés de subir, ou o beneficio secundário que vem de algo ruim, como os navios afundados  que se tornam abrigo de peixes e outras espécies.

Não há área da vida humana que não tenha consequências inesperadas, seja economia, política, história, ecologia, etc.

Não apenas parece, realmente é algo que está fora do nosso controle, não podemos evitar os resultados de nossas ações e geralmente não podemos prever o que acontecerá além de um limite muito curto no tempo e no espaço.

Para não dizer que só estou mostrando o lado negativo, há uma parte positiva nesta Lei das Consequências imprevistas, muitas das descobertas da ciência foram feitas por acaso: estava-se procurando por uma coisa e se achou outra, a penicilina, o Viagra e a aspirina são alguns exemplos bem conhecidos.

Mas por que isto acontece?

As causas são muitas: a complexidade própria da vida, decisões ruins, auto engano, viés emocional (este é um grande problema) ou pura estupidez são algumas das causas.

Se você quiser saber mais, Robert Merton aprofunda-se no assunto e suas idéias são muito interessantes, vale a pena uma pesquisa rápida.

Nunca conseguiremos prever tudo o que vai acontecer, é uma limitação biológica insuperável e nunca poderemos evitar todos os resultados negativos.
Mas lembre-se que nem todos são ruins, precisamos estar atentos às oportunidades muitas vezes escondidas em situações difíceis, sempre há o que se aprender, por exemplo.

Isto quer dizer que devemos ficar imóveis e não fazer nada para evitar efeitos indesejados?

Não, quero dizer que devemos pensar antes de agir em tudo o que fazemos, raciocinar como o jogador de xadrez que não consegue prever todos os movimentos do seu adversário nem seus próprios, mas pode prever as possibilidades três ou quatro lances à frente e tentar ao menos minimizar seus possíveis erros, mantendo sempre os olhos abertos para o que pode ser um benefício, não custa relembrar, isto está ao nosso alcance.

Pense nisso nas suas próximas decisões. Se pensarmos nas consequências, não há decisão que não seja importante  e que não tenha consequências, tentar minimizar os erros é evitar problemas e pode trazer mais tranquilidade e felicidade.

Pensar antes de agir, sempre. Não é fácil, mas é possível.

domingo, 10 de agosto de 2014

Contribuição e autoestima.

Dona Teresa é uma velhinha de mais de oitenta anos, não sei se japonesa ou descendente. No final dos anos sessenta montou com um filho um restaurante e hoje em dia quando aparece por lá quer de toda maneira ajudar na cozinha, a ponto dos funcionários ficarem preocupados com a possibilidade de um acidente. Quando fiquei sabendo disto recomendei que deixassem que ela ajudasse em alguma tarefa que fosse de baixo risco, mas que nunca a mandassem embora para casa ou desprezassem sua iniciativa.

Em outra fase da vida, no início também se observa a mesma situação. Quem tem ou já teve filhos sabe que em certa idade (já não me lembro mais qual) eles se metem na cozinha, na lavanderia, na oficina ou em qualquer outra coisa em que um adulto esteja trabalhando ou ocupado e querem participar. A melhor coisa que se pode fazer é também dar a eles alguma tarefa de baixo risco que os mantenha ocupados e ao alcance dos nossos olhos e socorro se necessário.

O que vemos nestas situações pode servir para toda a vida e qualquer tipo de relacionamento: para que se sintam importantes, crianças ou a Dona Teresa ou qualquer pessoa tem que contribuir com alguma coisa, por menor que pareça.

Segundo Freud o ser humano só se reconhece como humano nas relações que tem com outro da nossa espécie, é assim que se constrói como ser humano com alguma chance de ser psicologicamente saudável e poder viver bem em sociedade.

Parte fundamental de ser um humano é sentir-se importante, querido e respeitado pelos que o cercam e ninguém pode sentir-se importante sem contribuir com alguma coisa para os que estão ao seu redor ou a sociedade como um todo. Isto reflete na nossa autoestima, também conhecida como amor próprio.

Nós humanos somos mesmo complexos quando se trata da nossa parte psicológica.

Quer fazer com que alguém se sinta importante, seja em qualquer tipo de relacionamento? Peça a esta pessoa que contribua com alguma coisa, peça algo dela para que ela sinta que possui algo que é necessário e desejado.

Mas cuidado. Devemos pedir ou exigir do outro apenas o que estiver ao alcance desta pessoa, eu não posso pedir à Dona Teresa que corra uma maratona ou a uma criança que escreva as equações de campo de Einstein, senão o efeito é o contrário: a pessoa se sentirá muito pior.

Vendo a questão por outro ângulo, se a contribuição ou cooperação do outro tem esta importância, a nossa também tem.

As vezes nos sentimos um nada, irrelevantes e apenas mais um no meio de milhões, mas não é bem assim. Se olharmos com cuidado veremos que temos sempre algo a oferecer, algo que temos e que é nossa forma de cooperar, fazer alguém se sentir um pouco melhor, mas para perceber isto devemos olhar com cuidado para nós mesmos e vermos nosso lado bom, as coisas que temos dentro de nós podem sim fazer a diferença se cuidarmos delas e dermos a elas a importância que merecem. Para isto precisamos nos conhecer, e muito.

O que somos as vezes parece pequeno e insignificante, mas pode ser exatamente o que os outros precisam e pode fazer toda a diferença.

Podemos ser maiores e melhores do que percebemos.

Pense nisso, valorizar os outros e a si mesmo é um dos caminhos para sermos mais felizes.

domingo, 27 de julho de 2014

O lado oculto das coincidências.

Esta semana três escritores brasileiros muito conhecidos faleceram, nas redes sociais as pessoas brincavam com uma "festa literária no céu" e alguns apontavam o lado místico da situação como sempre acontece quando temos coincidências como esta.

O que será que ninguém viu?

Por que sempre achamos que há algo de misterioso ou inusitado quando três escritores morrem na mesma semana ou quando três aviões caem ao redor do mundo como aconteceu também neste mês?

Anos atrás corria um e-mail na internet no qual uma comparação entre dois ex presidentes dos Estados Unidos Kennedy e Lincoln, deixava muita gente coçando a cabeça de tanto pensar ou francamente maravilhados com os mistérios do mundo, o e-mail mostrava fatos como: Kennedy tinha uma secretária que se chamava Lincoln e Lincoln tinha uma secretária que se chamava Kennedy, ambos foram assassinados numa sexta feira e estavam próximos de suas esposas, Lincoln no Teatro Ford, e Kennedy num carro chamado Lincoln feito pela Ford.

Incrível, não? Não, não é.

A mesma situação acontece quando há tragédias horríveis como o incêndio da boate Kiss no Rio Grande do Sul ou com o desabamento de uma laje de um prédio no centro da cidade de São Bernardo do Campo alguns anos atrás. Em ambas situações algumas pessoas se salvaram e outras infelizmente não, a TV é claro, nos mostrou os sobreviventes e suas quase inacreditáveis histórias e nós expectadores imediatamente nos perguntamos o que aconteceu que algumas pessoas infelizmente faleceram e outros não?

O que estamos fazendo aqui é algo que nosso cérebro faz o tempo todo, encontrando padrões semelhantes em todo o que nos rodeia e com informações como estas não poderia ser diferente.

Vemos apenas os que se salvaram e nos esquecemos dos que não conseguiram.

É como se alguém jogasse bolinhas de tinta numa parede branca a vontade, de qualquer jeito e depois procurasse os locais onde havia mais marcas de tinta e desenhasse o alvo ao redor delas.

Encaixamos a percepção nos fatos depois que eles aconteceram. Sempre.

Não procuramos as diferenças entre Kennedy e Lincoln por exemplo, olhamos apenas as coincidências.

Muito bem, e o que isto tem a ver comigo, você deve estar se perguntando.

Perceber estas coisas tem aplicações práticas muito importantes.

Quando alguém desenvolve uma teoria científica ou um remédio por exemplo, suas pesquisas tem que ser revisadas por outros cientistas e o que estes fazem não é ver se a sua teoria ou o resultado do remédio que você pesquisou está certo, eles fazem o contrário: tentam de todas as maneiras provar que está errado, tentam falsificar os resultados, como eles dizem, tentando assim não serem ludibriados pelas coincidências que aparecem nas pesquisas e esquecer as diferenças, fazem isto para evitar serem enganadas por elas e acabar produzindo uma teoria falsa ou um veneno ao invés de um remédio.

Uma outra aplicação prática é a que nos faz ficar mais espertos quando encontramos declarações de políticos, manchetes de jornais ou discursos de pessoas que querem, seja por ignorância ou por má fé nos enganarem, ficando com poder, dinheiro ou posição importante financiados pelo dinheiro que sai do nosso bolso na forma de impostos ou taxas ou quando usamos nosso suado e curto dinheiro para compramos determinada revista, jornal, produto ou serviço que não era exatamente o prometido. Repare nos comerciais, algum diz qual é o ponto fraco de algum produto? Ou o que o jornal ou revista ganha apoiando este ou aquele partido? Ou qual é o tempo de vida daquele smartphone? A quantidade de produtos químicos no pacote de batata frita? O sanduíche daquele restaurante que dura mais de um ano?
Não né. Só mostram um lado do que acontece e o que não mostram pode nos prejudicar.

Um portal de notícias publicou uma manchete que dizia algo do tipo "As coincidências mostram a possibilidade da Argentina ser campeã da Copa". Sabemos o resultado.

A manchete é sem pé nem cabeça, coincidências não dizem nada sobre o futuro e nem sobre o passado, Kennedy, Lincoln, falecimentos de escritores, sobreviventes e pesquisas que podem ser distorcidos se nossa percepção se limitar a ver somente as coincidências e nos esquecermos das diferenças.

Não se deixe enganar, pergunte-se sempre qual é o outro lado da situação ou da questão, tente olhar os dois lados ou o mais amplo que puder, questione, duvide, pergunte.

Fique alerta.